Projeto de Lei nº 4.968/2019
As beneficiárias do Programa seriam, assim, dentre as mulheres e demais pessoas que menstruam, as estudantes de baixa renda matriculadas em escolas da rede pública de ensino; as pessoas em situação de rua
Publicado em 9 de outubro de 2021
Aos Excelentíssimos Senhores Senadores e Senhoras Senadoras da República
Aos Excelentíssimos Senhores Deputados e Senhoras Deputadas Federais
Referente ao Veto presidencial ao Projeto de Lei nº 4.968/2019
As instituições, organizações e coletivos abaixo-assinados vêm, por meio do presente ofício, manifestar a impropriedade jurídica do veto presidencial ao Projeto de Lei (PL) nº 4.968/2019.
Trata-se de proposição legislativa de iniciativa parlamentar, cuja aprovação foi recomendada ao Presidente da República e ao Congresso Nacional pelo Conselho Nacional dos Direitos Humanos (Recomendação CNDH nº 21/2020). O objetivo era a criação de um “marco legal para a superar a pobreza menstrual”1.
A aprovação do PL na Câmara dos Deputados se deu em agosto de 2021, com a criação do Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual. Ato contínuo, em setembro, o projeto foi aprovado no Senado Federal, para garantir a “oferta gratuita de absorventes higiênicos femininos e outros cuidados básicos de saúde menstrual”2.
As beneficiárias do Programa seriam, assim, dentre as mulheres e demais pessoas que menstruam, as estudantes de baixa renda matriculadas em escolas da rede pública de ensino; as pessoas em situação de rua; em situação de vulnerabilidade social extrema; e apreendidas e presidiárias, recolhidas em unidades do sistema penal ou internadas em unidades para cumprimento de medida socioeducativa3. O PL ainda previu a inclusão dos absorventes higiênicos como item essencial das cestas básicas, entregues no âmbito do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, SISAN. Cabe ressaltar que este ofício enfatiza que a superação da pobreza menstrual se efetivará somente mediante o reconhecimento de todas as pessoas brasileiras que menstruam como possíveis beneficiárias do PL em questão, sendo estas mulheres, meninas, homens trans e demais pessoas com útero.
Neste grupo diretamente atingido pela precariedade das condições menstruais, o maior percentual é composto por meninas negras, sendo essas as que mais sofrem com os impactos acumulativos da ausência das demais políticas públicas, políticas essas que poderiam impactar positivamente a saúde menstrual, como o acesso à água, a saneamento básico, à coleta de lixo e à energia elétrica4. Este cenário torna o problema ainda mais agudo ao dificultar o acesso à educação para a população negra, além de
Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/acesso-a-informacao/participacao-social/conselho- nacional-de-direitos-humanos-cndh/SEI_MDH1638484Recomendacao21.pdf, acesso em 7 out. 2021.
Art. 1º do PL 4.968/2019, disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg- getter/documento?dm=9017047&ts=1632162391163&disposition=inline, acesso em 7 out. 2021.
Art. 3º do do PL 4.968/2019, disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg- getter/documento?dm=9017047&ts=1632162391163&disposition=inline, acesso em 7 out. 2021.
Pobreza menstrual no Brasil – Desigualdades e violações de direitos. Relatório UNICEF-UNFPA. Maio: 2021. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/relatorios/pobreza-menstrual-no-brasil- desigualdade-e-violacoes-de-direitos, acesso em 7 out. 2021.
Repercutir em uma imobilidade social ainda mais exacerbada para um grupo já fortemente oprimido, que vivencia, de forma histórica, condições sanitárias que intensificam, ainda mais, o estado de vulnerabilidade social e economicamente. A pobreza menstrual também é, de fato, uma questão racial.
O acesso a itens para atender às necessidades básicas de saúde é essencial para dignidade humana. A ausência de políticas públicas que assegurem a distribuição gratuita desses bens a mulheres e pessoas que menstruam em situação de vulnerabilidade social e econômica ofende valores constitucionais básicos: a integridade física é colocada em risco, na medida em que se valem de substitutos inadequados para a contenção do fluxo menstrual, como miolo de pão, jornal e tecidos.
O acesso à educação é igualmente comprometido: quatro entre dez estudantes deixam de frequentar a escola em razão da falta de acesso a produtos de higiene menstrual. Como resultando, perdem, por ano, em média, 45 dias de aula5. De acordo com o estudo “Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de direitos”, divulgado pelo Unicef e pelo UNFPA, mais de 4 milhões de estudantes frequentam colégios com estrutura deficiente de higiene, como banheiros sem condições de uso, sem pias ou lavatórios, papel higiênico e sabão. Desse total, quase 200 mil meninas e mulheres não contam com nenhum item de higiene básica no ambiente escolar e 713 mil não têm acesso a nenhum banheiro (com chuveiro e sanitário) em suas casas.
Trata-se de um produto cujo consumo é recorrente e obrigatório, diante da falta de substitutos capazes de garantir efeitos similares, para a quase totalidade das mulheres e demais pessoas que menstruam por um longo período de sua vida (em média, 40 anos) em razão de uma característica biológica inafastável. A distribuição gratuita desses bens para meninas, mulheres, homens trans e demais pessoas que menstruam em situação de vulnerabilidade social e econômica e o reconhecimento de sua essencialidade preconiza a isonomia, na dimensão da igualdade de gênero, nos termos do artigo 5º, inciso I da Constituição de 1988, além de colocar em prática mandamentos constitucionais relacionados com o direito à saúde e à educação.
Diante disso tudo, fica claro que as razões apresentadas pelo Presidente da República para o veto ao PL nº 4.968/2019 não se sustentam e sua derrubada, pelo Congresso Nacional, é medida que se impõe.
O interesse público envolvido na aprovação da medida é manifesto. É inaceitável que o Brasil não possua uma medida pública sequer para combater a situação de pobreza menstrual que afasta meninas, mulheres e outras pessoas que menstruam do ambiente escolar e de atividades laborais. A previsão de distribuição gratuita de absorventes por instituições de ensino não conflita com a autonomia de tais estabelecimentos, pois se trata de medida de saúde pública e preservação da dignidade
Agência Senado, 29/07/2021, disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/infomaterias/2021/07/o-que-e-pobreza-menstrual-e-por-que- ela-afasta-estudantes-das-escolas. da pessoa humana, que prefere à eventual interesse da administração pública em particular.
Ademais, a alegação de que a criação do Programa em referência conflita com a Lei de Responsabilidade Fiscal – a Lei Complementar nº 101/2000, é absolutamente descabida. Os artigos 2º, § 2º e 6º do PL nº 4.968/2019 preveem, de modo expresso, as fontes de custeio que farão frente às despesas públicas decorrentes da criação do Programa. Além disso, o relatório apresentado pela Comissão de Defesa dos Direitos da Mulheres da Câmara dos Deputados apresentou a estimativa do impacto orçamentário- financeiro da medida, em plena observância dos dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Diante do exposto, faz-se necessária a derrubada do veto apresentado pelo Presidente da República, uma vez que dissonante dos valores constitucionais e contrário ao interesse público.
Brasília, 07 de outubro de 2021
Instituições, organizações e coletivos que estão unidos contra o Veto Presidencial
- Oxfam Brasil Instituto Ethos
- Grupo Mulheres do Brasil
- Instituto Para a Defesa dos Direitos Humanos
- Me Too Brasil Visão Mundial
- Women in Tax Brazil Coletivo aBertha
- Ladies of Liberty Alliance no Brasil Instituto Liberta
- Elas Discutem
- Clínica de Direitos Humanos da Amazônia
- Movimento Acredito Plan International Brasil
- Programa Conexões de Saberes da UFMG
- Clínica de Direitos Humanos da UFMG Programa Polos de Cidadania da UFMG Observatório para a Qualidade da Lei da UFMG
- Elas no Poder Projeto Deixa Fluir
- Projeto Dignidade Menstrual Elas pedem vista
- Instituto Serenas Absorvente das Manas
- Instituto de Defesa do Direito de Defesa Centro de Direitos Humanos de Petrópolis
- Vozes da Educação
- Coletivo Feminista Várias Marias
- Frente pelo Avanço dos Direitos Políticos das Mulheres
- Grupo Tributação e Gênero do Núcleo de Direito Tributário do Mestrado Profissional da FGV Direito SP
- Grupo de Pesquisa em Direito, Gênero e Identidade da FGV Direito SP
- Grupo de Pesquisa Direito, Economia e Política da UFPE
- Grupo de Pesquisa Tributec
- Grupo de Pesquisa Direito e Feminismos da UFRN
- Núcleo Tributação, Democracia e Desenvolvimento da Universidade Federal de Lavras
- Gisl Up Brasil
- Vote Nelas
- Comissão da Mulher e Advogada da OAB/DF
- Vote Nelas Mauá
- Vote Nelas SP
- Vamos Juntas
- Projeto Luas
- Associação Brasileira de Direito
- Comissão de Direito Tributário da OAB/AP
- Comissão de Direitos Humanos da OAB Nacional
- Caixa de Assistência dos Advogados do Tributário Ceará
- Grupo de Estudos Tributários da UFPR Pastoral Carcerária Nacional
- Agenda Nacional pelo Desencarceramento
- Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas
- Associação de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade
- Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência
- Coletivo Sobre Elas Instituto Arueras
- Rede Nacional de Mães e Familiares Vítimas de Terrorismo de Estado
- GAJOP – Gabinete Assessoria Jurídica Organizações Populares
- Instituto Pernambucano de Estudos Tributários
- Processualistas
- Odara – Instituto da Mulher Negra FOPIR – Fórum Permanente pela Igualdade Racial
- Conselho do Geledés – Instituto da Mulher Negra
- Comissão de Direito Tributário da OAB/SP
- Comissão de Direito Penal da OAB/SP Comissão de Direito Tributário da OAB/MG
- Comissão de Direito Tributário da OAB/CE
- Comissão da Mulher Advogada da OAB/CE
- Centro Feminista de Estudos e Assessoria
- Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional de Pernambuco
- FADDH – Frente ampla democrática pelos direitos humanos
- UMA – União de Mulheres Advogadas Associação Brasileira de Juristas pela Democracia do Rio de Janeiro
- Coletiva Feminista GSEX
- CEDAPS – Centro de Promoção da Saúde Instituto Política Por/De/Para Mulheres Associação dos Advogados do Ceará Prerrô – Grupo Prerrogativas
- Instituto de Direito Tributário do Paraná
- NuEFem – Núcleo de Estudos e Pesquisas de Economia e Feminismos do Instituto de Economia da UFRJ
- ABMCJ Ceará
- Instituto Brasileiro de Arbitragem e Transação Tributárias – IBATT
- Coalizão Negra por Direitos UNEAFRO
- Instituto de Referência Negra Peregum PartidA
- SOS Absorvente
- Instituto Mineiro de Direito Tributário Movimento Acredito
- Associação Brasileira das Mulheres de Carreira Jurídica do Ceará
- Comissão dos Direitos da Mulher do Ceará
- Nepem UFMG
- Instituto Rede Mulher Empreendedora
- Rede Mulher Empreendedora
- Comissão do Direito da Concorrência da OAB/DF
- Instituto dos Advogados de São Paulo
- Associação da Mulher Empresária de São Paulo
- Comissão de Estudos em Compliance da OAB/SP
- Laboratório de Direitos Humanos da UFRJ