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PING-PONG COM A RME: Amanda Momente fala sobre ideais, sociedade e sobrevivência da Wonder Size durante a pandemia do covid-19

“As pessoas nunca se interessaram em entender um corpo gordo”, disse Amanda Momente, empreendedora, sobre inclusão na indústria da moda

Publicado em 8 de junho de 2022

De passagem por São Paulo, Amanda Momente, CEO da Wonder Size, startup acelerada pelo RME Acelera, e especialista no mercado plus size, falou com a Rede Mulher Empreendedora como ela mergulhou de cabeça neste mercado após ganho de peso durante sua gravidez e falou, emocionada, sobre erros cometidos em uma sociedade.

RME: A Wonder Size vem revolucionando o mercado de roupas para mulheres gordas. O que já foi feito de muito importante nessa caminhada e o que, ainda de muito urgente, precisa ser mudado no mercado?

AM: Eu costumo dizer que a gente não tinha ideia do impacto social que causaríamos, então eu vejo três momentos marcantes. O primeiro deles é perceber como nossas clientes só queriam roupas decentes para ir para academia, mas a indústria não fornecia roupas boas. E quando a pessoa tem roupas adequadas, ela retoma o controle da vida dela e ela consegue ocupar esses espaços. Então eu não imaginava que a legging que eu fiz para eu malhar ia causar tanto impacto assim.

Um segundo momento é quando entramos na Centauro, por ser a primeira vez que uma grande marca, varejista, reconheceu que precisava atender esse público. As nossas roupas estavam nas lojas deles e foi aí que o mercado começou a pensar algo como “Se a Centauro está atendendo o público plus size, precisamos olhar para ele também”, o que gerou um movimento muito grande na indústria.

O último momento foi quando ganhamos dois prêmios na categoria inovação tecnológica no esporte e na categoria produto, pela Associação Brasileira Indústria Esporte (Abriesp), porque para eles é uma inovação atender o público gordo com roupas fitness. E para mim também, a maior inovação do mercado da moda é atender o público gordo, porque já somos mais de 65% da população. 

E eu acredito que o que falta para o mercado mudar é as pessoas saírem da zona de conforto, faltam as empresas investirem em modelagem plus size boa. Porque eu, como consumidora, ficava muito revoltada por não encontrar modelagem que serviam em mim, mas hoje eu entendo que não dá para exigir essa inclusão na indústria se as faculdades de moda não ensinam a criar para esse público. As pessoas nunca se interessaram em entender um corpo gordo, então eu acho que é uma questão intelectual da sociedade a ser trabalhada.

Foto: Sara Eulalia

RME: A Revolução Plus Size é um e-commerce de modelagens prontas. Qual o impacto esperado dessa decisão?

AM: A Revolução Plus Size não é nada mais do que a Nasa das gordas, que é o nosso centro de desenvolvimento de produtos. Em 2020 e 2021 eu disse “eu quero estudar tudo sobre o mercado plus size que existe no mundo” e eu não achei muita coisa. Foi assim que eu me dei conta que sou uma das pessoas que mais sabem sobre esse tema, porque eu tenho a vivência do mercado, eu desenvolvi mais de 300 modelagens e sou especialista em usabilidade e mobilidade. Então, nessa pesquisa, eu descobri que não existe bibliografia sobre o mercado plus size e identifiquei vários problemas na indústria como não existir fita métrica maior que um metro e meio, como a largura de alguns tecidos que não servem para fazer uma camiseta do tamanho 70 sem que eu remende ela.

Eu tive a honra de participar da primeira tabela plus size da ABNT e lutei para que eles aumentassem a tabela deles até o 66. E, as modelagens que eu faço, mas não consigo usar na Wonder, são direcionadas para Revolução Plus Size. Porque assim, pessoas e marcas que não tem referência para desenhar uma peça plus size, sabem por onde começar. Então eu ainda vejo isso como a maior inovação que a indústria pode ter, que é atender de forma justa a população gorda.

RME: Como foi o período de pandemia para a Wonder Size? Qual foi o maior desafio superado neste momento?

AM: É muito louco pensar nesse período porque no dia que foi anunciado o lockdown, eu estava terminando de montar a lojinha da Wonder em um evento que ia gerar lucro pela primeira vez em três anos de negócio. Nós estávamos fazendo grandes operações com grandes varejistas e, por ter que parar e fechar tudo, não entregar o evento, eu tive que dar uma ré gigantesca. E de repente tudo estava dando errado. 

Nossa sorte é que nosso escritório já estava em modelo Home Office, mas tivemos problemas de gestão, demitimos funcionários sem querer diminuir o time, fizemos de tudo literalmente para sobreviver. E a nossa relação com as clientes se estreitou mais do que nunca, mas a venda de produtos foi tudo numa tentativa de erro e acerto. Fizemos peças mais casuais, que não venderam. Tivemos que realmente olhar para os produtos mais vendidos e criar combos com outros produtos para estimular nossas clientes, as quais eu sou muito grata porque eu sei que algumas não precisavam, mas compraram para nos ajudar.

RME: A Wonder Size nasceu como uma sociedade, a partir da legging Joana D’arc, a qual você confeccionou. Hoje você é CEO e a sociedade foi desfeita. O que deu errado? Qual o seu conselho para que empreendedoras não cometam o mesmo erro?

AM: A Wonder nasceu da minha necessidade de pular corda e, na época, eu convidei uma das minhas melhores amigas para firmar essa sociedade comigo. Ela é uma pessoa a qual eu sou muito grata, devo muito e acredito que seja uma das melhores no Brasil em criar o storytelling que casem com o marketing das marcas. 

Acho que o erro dessa sociedade foi não formalizarmos o que decidíamos e isso deixou tudo muito aberto para interpretações diferentes. Eu entendia uma coisa de um jeito, de acordo com a minha vivência, e ela de outro, de acordo com a vivência dela. Mas chegou uma hora que essas visões diferentes começaram a conflitar e a sociedade não deu mais certo. Acho que se tivéssemos colocado tudo no papel, não teria espaço para outras interpretações além daquilo que estaria escrito. Nós somos pessoas e mudamos ao longo dos anos, a empresa mudou também, nossa equipe mudou. Então, antes que qualquer grande conflito impactasse ainda mais nossa amizade, nós preferimos encerrar a sociedade e preservar o que sobrou.

É a primeira vez que eu falo sobre esse assunto, mas eu acredito de verdade que para uma sociedade, que é praticamente um casamento, e em qualquer empresa, exista a necessidade de ter uma correspondência de sinergia. Quando isso acaba, não adianta tentar empurrar para frente.

Foto: Sara Eulalia

RME: Você e sua antiga sócia recusaram um investimento de 350 mil no Shark Tank, imagino que por divergências na direção que a marca poderia seguir entre vocês e o investidor. É uma decisão da qual você se arrepende? Sim ou não e por quê?

AM: Detalhes dessa história eu só vou contar no meu livro (risos). Mas o que eu quero falar sobre isso é que o investimento tem que ser o certo. Eu aprendi isso na Rede. Que é possível ter ali na sua frente o smart money, mas ele sozinho não é tudo. Naquela época nós namoramos o investimento, fizemos captação, mas enquanto todo esse processo rolava, vimos que existiam divergências entre algumas partes. Então optamos por, no final, não seguir com a proposta do programa.

RME: O que um investidor precisa ter para que sua marca entre na cartela dele?

AM: Você sabe que a Wonder sempre foi num caminho inverso de startups e mesmo assim foi muito cercada, mesmo sendo uma startup de moda, o que não entra no portfólio de nenhum investidor. E ainda assim, houve uma época em que eu acreditava que poderíamos chegar e ganhar espaço no mercado sozinha, mas não dá. É só olhar quantas marcas de roupa para academia existem no mercado e comparar com o número de marcas plus size nesse mesmo nicho. Precisa de uma estrutura gigantesca. Então o que eu procuro hoje é um investidor com expertises diferentes. Um grande varejista, uma pessoa que já tenha um canal de distribuição bom para o mercado ou até que adquiram a marca para fazer dela um ponto de inovação e engloba junto com a Wonder. Mas a principal característica que eu procuro é por pessoas que escalem nossa produção e nosso canal de vendas, investindo mesmo, porque a questão de marketing e mídia orgânica nós já investimos muito e sabemos fazer bem!

ARTIGO ESCRITO POR

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Formada em Jornalismo, seu Trabalho de Conclusão de Curso foi uma pesquisa crítica acerca do olhar que a grande mídia tem sobre corpos femininos negros e as narrativas sobre eles construídas. Apaixonada por conhecimento e curiosa para entender mais sobre o mundo, segue estudando sobre comportamento, colorismo e mídia.

Karina Souza Quenis Jornalista